segunda-feira, 22 de abril de 2013

A Questão de 8 Parte I - Por: Jose Cícero

Uma promessa: Ou o milagre de uma reza forte...
 
Meados de 1908. Aurora começava a vivenciar uma das fases mais negras e tenebrosas da sua história. Ano funesto que marcaria profundamente a memória de todos quantos sentiram na própria pele aqueles acontecimentos marcados pelo absurdo, brutalidade e ignorância. Invasão e saque. Apenas isso? Não. Fatos vergonhosos e lamentáveis que como feridas incuráveis até hoje, mesmo depois 103 anos, ainda repercutem aqui acolá como uma enorme cicatriz aberta de uma história ainda não completamente bem contada. O próprio passado como que querendo a todo custo (ainda que tardio) acertar suas contas com o presente.

Ocorrências que, malgrado todo o peso da sua importância até hoje não foram devidamente escritas com a pena lúcida e coerente da verdade. Constituindo desse modo, um grande desafio aos estudiosos e historiadores devidamente comprometidos com a real veracidades dos fatos. Dentre tantos os acontecimentos ainda não efetivamente descritos na história de Aurora, um em especial, me fora narrado pelo senhor Vicente Jerônimo da Silva. Ex-tabelião do não menos antigo e pioneiro cartório Quezado.

Com base neste fidedigno relato, resolvi concatenar tais informações numa pequena narrativa que ora se segue enfeixada no bojo da série: ‘História que ouvi contar’ em cujo mesmo se incluem como desdobramentos: o fogo do Taveira, a discutível demarcação das minas do Coxá, além da célebre invasão por jagunços que ficara conhecida como ‘a questão de oito’. Tudo isso na ânsia de fazer com que estes fragmentos históricos não venham a ser definitivamente esquecidos pelas gerações, do presente e do futuro e, tampouco perdidos nas brumas do tempo como tem sido comum diante de uma história escrita, quase sempre, segundo ótica dos poderosos e dos vencedores. Em última instância, uma iniciativa de puro resgate e preservação da verdadeira história do povo aurorense e, em especial, a dos oprimidos.

José Cícero

1908 - O Começo de tudo...

1908 – Um ano quase cabalar de uma década que poderíamos muito bem chamá-la de perdida. Principalmente para os que a viveram a ferro e fogo. E a duras penas, conseguiram sobreviver a tudo o que ela teve de mais trágico e inusitado. Um tempo que duraria uma verdadeira eternidade por conta dos crimes e outras atrocidades que se abateram como uma praga terrível que se abateu sobre uma gente humilde e ordeiraacostumando demais à lida penosa de uma vida inteira dedicada à agricultura de subsistência, o comércio agropastoril, assim como a produção dos engenhos de rapadura e aguardente. Em especial, a produção de milho, algodão, oiticica, farinha de mandióca e o criatório.

No meio de tudo isso as disputas políticas das mais raivosas, que para não fugir à regra regionalista no mais das vezes, eram decididas na base da bala. Monopolizadas que eram(quase sempre) por duas ou três ramificações familiares que se alternavam no poder conforme a força que conseguiam concentrar(a cada instante) e assim, fortaleciam seu poder de barganha junto às hostes políticas da região e da capital. Eis aqui, em rápidas pinceladas, o cenário objetivo do que era ou do que foi aquela Aurora antiga e provinciana, escondida do mundo num entreposto naturalmente fincado na porta do Cariri a meio caminho do Juazeiro e Crato e do Icó a Fortaleza. Auge da velha estrada dos almocreves margeando o então caudaloso rio Salgado que por quase dois séculos serviu à ligação do interior com o litoral (Fortaleza, Aracati e Mossoró). Fazendo assim de Aurora, como dissera certa feita o velho Serra Azul: “oásis, rancho e tenda” para os tropeiros viajantes nas suas andanças intermináveis. Verdadeiro caminho da própria colonização do Cariri adentro.

Aurora mais do que qualquer outra cidade da região sofreu em demasia diante da pilhagem e da truculência que sofreu, maldades promovidas muitas vezes pelos que tinham justamente o mister e a obrigação de defendê-la. Era uma vila das mais prósperas de toda a região. Pagou-se assim, o mais alto preço naquela guerra de facínoras contra os humildes e miseráveis – os filhos da pobreza. Razão pela qual completara o poeta do riacho do Pau Branco de que a história de Aurora era de fato, “trágica e tremenda”. E quanto à questão de oito não foi lá muito diferente. Neste episódio em particular, alguns ricos da época também tiveram que arcar com seu quinhão de sacrifício. Foram roubados e humilhados. E caso não fugissem teriam decerto, que pagar com a própria vida... O próprio vate salgadiano tivera que forçosamente se abrigar em Quixadá e de lá derivou definitivamente para Fortaleza.

 
Uma saga histórica onde se misturaram bandidos, vassalos, heróis e inocentes. O futuro nunca foi tão inacreditável para um povo, como naquele fatídico ano de 8. Uma gente que mesmo em meio as agruras e o sofrimento, devotou a sua própria vida em nome de uma causa nobre: aúnica que lhe parecia possível - asobrevivência. Momento difícil de injustiças, crimes deploráveis, superação e heroísmo dos que por sorte, conseguiram sobreviver para contar ao futuro o que de fato aconteceu naqueles tempos tenebrosos de infâmia sem tamanho.
Mas vamos ao que me descreveu o velho Jerônimo – um exímio contador de causos, cuja memória é quase uma enciclopédia de tão lúcida, rica e fértil. Suas histórias e estórias são tão bem contadas, ao ponto de nos dar a nítida e fantástica sensação deestarmos dentro delas. Vivenciando-as assim nos seus mínimos detalhes. Verdadeira viagem ao passado. Um longo mergulho no túnel do tempo. O tal contador de causos fantásticos empreende tanta ênfase as suas narrativas que às vezes imaginamos ser ele, o próprio protagonista de cada fato e historieta narradas sob o mais autêntico dos entusiasmos – a emoção. Um grande serviço que, sem sombra de dúvidas, se presta como verdade a nossa própria história. Este seria, por assim dizer, o maior e mais duradouro de todos os seus créditos como memorialista: a verdade.

Aurora no tempo do Império do Bacamarte
 
Como se deu toda a história: Uma viagem...

Uma antemanhã de sábado. De um tempo distante e remoto lá pras bandas de 1908. Começo do mês de dezembro. Aurora ainda era uma vila. Um calmo lugarejo marcado pela tranqüilidade de uma paz bucólica quase cinematográfica e que tinha tudo para ser duradoura. Um povoado esmaecido no âmbar dos dias calmos e morosos com suas horas mortas. Tal como se a própria vida durasse uma eternidade...

Uma época em que a pressa de viver não fazia nenhum sentido prático, notadamente para todos os que experimentavamtranquilamente a lida cotidiana daquele rincão estendido no oco do mundo, quase como um autêntico lenitivo. Uma madrugada diferente. Era muito cedo e fazia frio. O sol ainda não apontara no horizonte por sobre a serra da Várzea Grande. A sensação era do mais completo vazio expresso num quadro imenso do silêncio. Plena escuridão e quietude. O próprio mundo às escuras, parecia no mais completo vazio absoluto.

A barra do nascente ainda estava escura e um frio intenso parecia cobrir os ares daquela Aurora antiga e paroquial. Pouquíssimas casas, na sua maioria esparsa na primitiva geografia daquela vila, um tanto desajeitada, com destaque apenas para o quadro da matriz onde moravam os mais abastados. Os chamados coronéis, ricos e os remediados da época. Do outro lado, pras bandas do mercado as casas de comércio mais destacadas do major Sebastião Alves Pereira e do coronel Paulo Gonçalves Ferreira.

E naquela madrugada preguiçosa, belas lamparinas iluminavam o velho sobrado construído nos idos de 1800 pelo coronel Xavier então residência dos Gonçalves. Era de cara, a mais imponente das poucas residências daquele tempo. E, que por sinal ainda se encontra de pé até hoje. O silêncio das poucas ruas de chão batido aos poucos começava a ser rompido pelo som que vinha de longe – cantos de galos(muitos galos) em verdadeiro couro enchiam a madrugada de sonoridade, assim como o coaxar de sapos, bem como o tradicional barulho de cambiteiros, a iniciar a lida do eito dos engenhos de cana que rodeavam o quadrilátero daquela vilazinha bucólica prostrada à margem do Salgado. O rio buscando com suas águas, também fazer sua viagem infinita sempre nos rumos do Jaguaribe.

O sol parecia naquele princípio de dia não estar com pressa para nascer e iluminar o mundo. Pura preguiça em tudo.As águas límpidas e claras do rio Salgado corriam em disparadas para o Icó em sua absoluta sofreguidão, arrebatando moitas e ribanceiras em todo o seu trajeto. Vinham rompendo tudo a sua frente desde as cabeceiras da nascente situada longe no sopé da serra da Batateira. Mas o espelho d’água, assim como as pessoas, pouco mais de mil almas(na época), não ais que isso também aguardavam os primeiros raios do sol matutino daquela Aurora distante e sonolenta de uma estranha madrugada de sábado.

Na rua grande e no quadro, ambos de chão batido adornados por grandes moitas de capim de burro onde ficavam os casarões dos coronéis, uma comitiva familiar se preparava para uma viagem. Era o clã dos Quezados e dos Gonçalves – duas das mais importantes e influentes cepas familiares de Aurora, assim como de todo o Cariri Oriental, e que naquela madrugada viajaria até o povoado de Joaseiro. Quem sabe, buscando a proteção segura do padre Cícero Romão Batista. Uma tentativa de se evitar aquele projeto de assalto e insídia a pequena urbe, talvez. Um presságio? Quem sabe? Antes do pior deixariam a cidade em favor da própria segurança familiar. 

(Continua...)
(*) José Cícero -
Poeta, pesquisador e escritor

onselheiro Cariri Cangaço

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Aos dias do Índio...*

Por José Cícero
 DIA DO ÍNDIO...

Não aceito este dia 
como uma desculpa insana
desses bandos de  bacanas
que ainda tentam me exterminar.
Por isso em protesto, 
recuso-me  a aceitar
esta esmola  mentirosa
com que os invasores 

e as elites das rosas
ao longo da história
tentaram em vão nos matar.
Sou índio.
Sou consciente.
ancestral dos ameríndios
não me furto de lutar.
Todos os dias são meus.
A Terra é dos nativos
Tupã também é da tribo.
E assim a floresta
nunca se acabará.
Não aceito este dia.
Muito obrigado!
sou Índio...
sobrevivente do extermínio
que a histório dos brancos
ainda tenta apagar.
.................
(*) José Cícero
(inédito) 2013
Aurora-CE.
Foto: indiosdobrasilsomostodosirmaos.blogspot.com

sábado, 6 de abril de 2013

Condenação dos pistoleiros e absolvição do mandante: um padrão de impunidade na justiça brasileira

Cacal: Dois  ambientalista assassinados
José Rodrigues Moreira, mandante do assassinato de José Claudio e Maria do Espírito Santo, foi absolvido pelo júri, enquanto os dois executores foram condenados à prisão.
 
Na presença de familiares, militantes de movimentos sociais, religiosos, representantes de organizações de direitos humanos e jornalistas brasileiros e de todo o mundo, o veredicto apresentado pelo júri diz muito sobre o cenário de violência contra defensores de direitos humanos no Brasil, ao condenar os executores da pistolagem, mas absolver o mandante do assassinato de José Claudio e Maria do Espírito Santo no ano de 2011 em Nova Ipixuna/PA.


José Rodrigues Moreira, acusado de planejar e financiar os assassinatos, foi absolvido, enquanto os dois acusados pela participação na morte do casal foram condenados à prisão: Alberto Lopes do Nascimento foi condenado a 45 anos de prisão por duplo homicídio triplamente qualificado, e Lindonjonson Silva Rocha a 42 anos e 8 meses por homicídio duplamente qualificado.
Na avaliação do advogado e coordenador de Terra de Direitos que acompanhou o julgamento, Antonio Sérgio Escrivão Filho, condenar os executores de crimes de pistolagem e absolver os mandantes aparece como um padrão recorrente de impunidade e negação da justiça observado nos poucos julgamentos dos inúmeros assassinatos de trabalhadores rurais envolvendo conflitos fundiários.
Os dados confirmam: de acordo com a pesquisa da Comissão Pastoral da Terra – CPT de 2011, dos 1.186 casos monitorados pela organização, 94 pessoas foram condenadas pelo menos em primeira instância, entre elas 21 mandantes e 73 executores dos homicídios.
Para Escrivão Filho, as evidências apresentadas no processo demonstraram o quadro de um crime com nítida motivação fundiária: "Um mandante com intenções de grilagem de terras públicas, aliado a executores programados para matar. Ocorre que se a motivação fundiária se coloca no centro do crime, do mesmo modo deve ser colocado o seu mentor intelectual, o mandante. Sem ele não há razão para a pistolagem executar as lideranças de trabalhadores rurais”.
Dentre as provas encontravam-se uma dúzia de relatos sobre o desencadeamento de uma grilagem de terra que encontrou em José Claudio e Maria do Espírito Santo um obstáculo mais fortalecido na defesa da reforma agrária e da floresta que o próprio Estado.
"Como o caso revela, a incapacidade institucional do Estado para combater a grilagem, a derrubada da floresta e o avanço do agronegócio nesta e em outras regiões, aliada ao poder de intervenção do latifúndio junto aos órgãos públicos e sua influência sobre a justiça, acabam por gerar uma combinação que vulnerabiliza, criminaliza e vitimiza os movimentos sociais e defensoras e defensores de direitos humanos que lutam pela terra, território e biodiversidade”, analisa o advogado.
Além de engrossar as estatísticas de impunidade aos mandantes, o julgamento terminou com a criminalização das próprias vítimas, como aponta o assistente de acusação no caso, Aton Fon Filho, integrante da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos: "Causa grande indignação a inclusão feita pelo juiz do processo, por sua própria convicção, de que as vítimas haviam concorrido para agravar o conflito em questão. Evidente criminalização que aparece ao final do julgamento e como uma espécie de manifestação política da justiça brasileira”.
A condenação dos executores e a absolvição do mandante do assassinato do casal de extrativistas de Nova Ipixuna, José Claudio e Maria do Espírito Santo, marca o início de uma série de sete júris previstos para o ano de 2013 referentes ao julgamento de crimes contra direitos humanos. "O conjunto de julgamentos que coloca o desafio histórico para a sociedade brasileira reivindicar e pressionar a justiça para que assuma a sua responsabilidade sobre a violência e a impunidade dos crimes contra defensores de direitos humanos”, opina.
Outros casos
Sete julgamentos de crimes contra direitos humanos estão previstos para 2013:Chacina de Felisburgo (MG), Chacina de Unaí (MG), Chacina da Fazenda Princesa (PA), assassinato de Dezinho (PA), assassinato de Manoel Mattos (PB) e assassinato de Sebastião Camargo Filho (PR). Seis deles são decorrentes de conflitos fundiários, sendo que os últimos quatro foram encaminhados para o sistema interamericano de direitos humanos.
No caso do assassinato do trabalhador rural Sebastião Camargo Filho, ocorrido no município de Marilena, Paraná, um dos mandantes do assassinato já foi condenado. Teissin Tina, ex-proprietário da Fazenda Boa Sorte, foi condenado em 27 de novembro de 2012 por contratar pistoleiros que realizaram despejo ilegal na fazenda e estar no local quando o trabalhador rural foi assassinado. No mesmo julgamento, Osnir Sanches foi condenado pelo assassinato de Sebastião Camargo em razão de ajudado a recrutar os pistoleiros que realizaram o despejo ilegal.
Contudo, ainda há outros mandantes que devem ser levados a júri popular. Marcos Prochet, ex-presidente da União Democrática Ruralista (UDR) do Paraná, é acusado de atuar para a formação de milícias privadas de ter disparado o tiro que assassinou Camargo. Tarcisio Barbosa de Souza, ex-tesoureiro da UDR e atual membro da Federação da Agricultura do Estado do Paraná (FAEP), é suspeito de articular a milícia e comandar em campo a ação da milícia.
A condenação dos mandantes de assassinatos de defensores de direitos humanos é um passo essencial para a superação de um padrão de violência contra quem luta por direitos. A simples condenação criminal não ira resolver todos os problemas ligados às violações de direitos humanos no Brasil, mas pode ser um claro sinal de que o Estado e a sociedade brasileira não mais aceitarão com passividade que os grupos sociais dominantes, minoria da sociedade, imponham seus interesses com base na violência.
Saiba mais sobre o caso
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Fonte:  http://olhosdosertao.blogspot.com.br/2013/04/condenacao-dos-pistoleiros-e-absolvicao.html