sábado, 15 de outubro de 2011

Música de qualidade: Um debate Oportuno...

Campanha contra o Forró: "Eu quero meu sertão de volta".

Nos últimos dez anos tenho viajado freqüentemente pelo sertão de Pernambuco, e assistido, não sem revolta, a um processo cruel de desconstrução da cultura sertaneja com a conivência da maioria das prefeituras e rádios do interior. Em todos os espaços de convivência, praças, bares, e na quase maioria dos shows, o que se escuta é música de péssima qualidade que, não raro, desqualifica e coisifica a mulher e embrutece o homem.

O que adianta as campanhas bem intencionadas do governo federal contra o alcoolismo e a prostituição infantil, quando a população canta “beber, cair e levantar”, ou “dinheiro na mão e calcinha no chão” ? O que adianta o governo estadual criar novas delegacias da mulher se elas próprias também cantam e rebolam ao som de letras que incitam à violência sexual? O que dizer de homens que se divertem cantando “vou soltar uma bomba no cabaré e vai ser pedaço de puta pra todo lado” ? Será que são esses trogloditas que chegam em casa, depois de beber, cair e levantar, e surram suas mulheres e abusam de suas filhas e enteadas? Por onde andam as mulheres que fizeram o movimento feminista, tão atuante nos anos 70 e 80, que não reagem contra essa onda musical grosseira e violenta? Se fazem alguma coisa, tem sido de forma muito discreta, pois leio os três jornais de maior circulação no estado todos os dias, e nada encontro que questione tamanha barbárie.

E boa parte dos meios de comunicação são coniventes, pois existe muito dinheiro e interesses envolvidos na disseminação dessas músicas de baixa qualidade.

E não pensem que essa avalanche de mediocridade atinge apenas os menos favorecidos da base de nossa pirâmide social, e com menor grau de instrução escolar. Cansei de ver (e ouvir) jovens que estacionam onde bem entendem, escancaram a mala de seus carros exibindo, como pavões emplumados, seus moderníssimos equipamentos de som e vídeo na execução exageradamente alta dos cds e dvds dessas bandas que se dizem de forró eletrônico. O que fazem os promotores de justiça, juízes, delegados que não
coíbem, dentro de suas áreas de atuação, esses abusos?

Quando Luiz Gonzaga e seus grandes parceiros, Humberto Teixeira e Zé Dantas criaram o forró, não imaginavam que depois de suas mortes essas bandas que hoje se multiplicam pelo Brasil praticassem um estelionato poético ao usarem o nome forró para a música que fazem. O que esses conjuntos musicais praticam não é forro! O forró é inspirado na matriz poética do sertanejo; eles se inspiram numa matriz sexual chula! O forró é uma dança alegre e sensual; eles exibem uma coreografia explicitamente sexual! O forró é um gênero musical que agrega vários ritmos como o xote, o baião, o xaxado; eles criaram uma única pancada musical que, em absoluto, não corresponde aos ritmos do forró! E se apresentam como bandas de “forró eletrônico”! Na verdade, Elba Ramalho e o próprio Gonzaga já faziam o verdadeiro forró eletrônico, de qualidade, nos anos 80.

Em contrapartida, o movimento do forró pé-de-serra deixa a desejar na produção de um forró de qualidade. Na maioria das vezes as letras são pouco criativas; tornaram-se reféns de uma mesma temática! Os arranjos executados são parecidos! Pouco se pesquisa no valioso e grande arquivo gonzaguiano. A qualidade técnica e visual da maioria dos cds e dvds também deixa a desejar, e falta uma produção mais cuidadosa para as apresentações em geral.

Da dança da garrafa de Carla Perez até os dias de hoje formou-se uma geração que se acostumou com o lixo musical! Não, meus amigos: não é conservadorismo, nem saudosismo! Mas não é possível o novo sem os alicerces do velho! Que o digam Chico Science e o Cordel do Fogo Encantado que, inspirados nas nossas matrizes musicais, criaram um novo som para o mundo! Não é possível qualidade de vida plena com mediocridade cultural, intolerância, incitamento à violência sexual e ao alcoolismo!
Mas, felizmente, há exemplos que podem ser seguidos.

A Prefeitura do Recife tem conseguindo realizar um São João e outras festas de nosso calendário cultural com uma boa curadoria musical e retorno excelente de público. A Fundarpe tem demonstrado a mesma boa vontade ao priorizar projetos de qualidade e relevância cultural.

Escrevendo essas linhas, recordo minha infância em Serra Talhada, ouvindo o maestro Moacir Santos e meu querido tio Edésio em seus encontros musicais, cada um com o seu sax, em verdadeiros diálogos poéticos! Hoje são estrelas no céu do Pajeú das Flores! Eu quero o meu sertão de volta!

Autor: Anselmo Alves
Agradecimento: Ao amigo Fábio Passa Disco

Dedicado a Dihelson Mendonça

2 Respostas para “Campanha contra o Forró: "Eu quero meu sertão de volta".”

  1. 1 José Cícero
    outubro 19, 2008 às 12:08 am

    Texto primoroso. Não somente pela estética litero-poética e emotiva que aglutina do início ao fim. Tampouco pelo sentimentalismo à flor da pele. Mas, sobretudo pela verdade que encerra letra a letra, vocábulo a vocábulo...
    De fato, o que estão fazendo da MPB e, em especial, do “nosso” dantes, forró de qualidade é, por assim dizer uma tremenda maldade,um verdadeiro “estupro musical”. Subestimam a inteligência da sociedade. Deseducam, emburrecem, idiotizam, humilham, agridem a nossa opção de poder escolher o que queremos ouvir. Banalizam a mulher “coisificam” o sexo, desvalizam a ética e a moral, difudem a apologia da vagabundagem e do álcool. Uma vez que das ruas(malas de som), ao rádio e a TV tudo o mais parece conspirar contra o bom-senso e a sensibilidade cultural da nossa gente. Como querem fazer desta baboseira que "eles" chamam inadivertidamente de forró(ou sei lá o que mais) a música que nos representem lá fora, no exterior?! Devíamos pelos memos protestar com mais veemência pois o que está em jogo e a soberania musical e cultura do nosso Brasil: exigir na justiça o fim dos ‘carros de som’ nas ruas e a contração de bandas ( da imoralidade musical) pelas prefeituras, já que são pagas(as banda) com o dinheiro público. Já que existem tantas contas que criem mais uma para os meiso de comunicação de massa - desta feita para se abrir espaços para a nossa boa e verdadeira mísica de qualidade e de raízes... Que se proiba a execução apologética desta "droga musical" nas nossas escolas e eventos cívicos.
    E não vale a desculpa de que a juventude “adora” (e até velhos também), digamos assim. Pois a ignorância está ao alcance de todos justamente pela falta de opção. Primeiro não se pode gostar daquilo que não se conhece… se esta é a música que lhes oferecem é óbvio que terminarão optando por esta verdadeira droga. Isso funciona como uma autêntica lavagem cerebral, notadamente na mente das nossas crianças e adolescentes. A propósito, por que será que países como a França e Alemanha só para citar alguns; o povo (e até os jovens de lá) gostam tanto da música erudita(clássica)?? Ora bolas, o que se oferece vira “coqueluche”. Está na hora de nos rebelarmos contra este estado de coisa apelidado cinicamente de Forró eletrônico. Mais um crime de lesa-pátria cometido pelos poderosos que não estão nem aí para o futuro do país. O que eles querem é tão somente ganhar dinheiro... São os cupins da cultura e da arte brasileira. Verdadeiros Gangsters da pátria.
    A sociedade precisa, antes que seja demasiado tarde dizer Não a tudo este estelionato musical. Da igreja, a escola, a família, os meios de comunicação, formadores de opinião, as lideranças políticas, os governos etc. Será preciso uma verdadeira cruzada em nome da cultura, da etica e da poética como um movimento de reafirmação e resgate da nossa verdadeira música. Também desejo ter de volta o meu sertão, como uma griita afetiva execessivamente estampado no bom forró nosso de cada dia. Não podemos continuar calados, passivos e indiferentes a tudo isso. Também é preciso reivindicarmos a lei do silência, posto que a ignorância dos adoradores deste mal está a se espalhar pelas nossas ruas coms carros com os decíbeis muito além dos aceitáveis pelo ouvido humano e com os chamados paredões de som. Uma afronta realmente intolerável. Um crime. No fundo tenho pena de todos os que se dão ao trabalho de "curtir" esta gororoba. Por que no fundo bem sei que estão igualmente sendo vítimas, usados para propagar esta erva daninha. E ainda pagando caro por tudo isso tudo por conta da falta de conhecimento e senso-crítico. São por assim dizer os neo-escravos do capitalismo.
    Prof. José Cícero
    Aurora-CE

  2. 2 Samuel P. Teles
    outubro 19, 2008 às 11:07 am

    José Cícero, concordo integralmente com você.

    Eu gostaria imensamente, de ler a opinião do Dihelson, já que ele é o porta-bandeira dessa luta contra o forró eletrônico.
    ...............................
    LEIA MAIS EM:
    www.jcaaurora.blogspot.com
    www.prosaeversojc.blogspot.com
    www.blogdaaurorajc.blogspot.com
    www.seculteaurora.blogspot.com
    www.aurora.ce.gov.br

Um comentário:

Dihelson Mendonça disse...

Mas menino que presente legal esse que eu acabei de receber do meu amigo José Cícero!

Acabar com o Forró Eletrônico é meu sonho de consumo, o sonho de uma vida, porque essa coisa ( que não é forró e não é nada ) está destruindo a verdadeira cultura nordesrtina. Estamos perdendo as nossas raízes, e um povo sem cultura está fadado ao Fracasso e ao esquecimento.

Eu já falei tanto em minhas crônicas sobre essa coisa, que se tornou meu objetivo de vida. Um dia nós conseguiremos abrir bem mais espaços para que outros estilos possam fluir também.

É preciso acabar com o Monopólio imposto pelo cartel da mídia. Isso é um crime, privar as pessoas de conhecerem outras coisas apenas pelo poderio econômico, para vender apenas o produto que eles produzem, sem se importar com a opinião pública. Isso é a mais nefasta manipulação das massas, porque faz parte de todo um conjunto de coisas. O Forró é a música que embala um sem-fim de outras perversões, descaso, ignorância e manipulação do nosso povo.

Lutemos contra isso!
Abração, José Cícero.
MUITO OBRIGADO.

Dihelson Mendonça