quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Ernest Hemingway, uma aventura de vida*

Por José Cícero
Estou referto e um tanto quanto exausto de todo o lirismo psicológico e farto contido como que por extenso, neste meu amontoado de livros em que sempre me perco e depois me acho diante de toda solidão que sofro e vivo.
Sou nestes momentos um peregrino atemporal a caminhar sem rumo e descalço sobre o chão de espinhos. Caminhos nunca dantes conhecidos. Cacos de vidros espalhados entre tanto livros, montanhas como lenitivos para meu cansaço. Opúsculos antigos, palimpsestos...
Livros e livros: Meus únicos amigos sinceros a que me confio absorto e por completo.
Com efeito, não por mero acaso acabo de devorar a última página de um gigante – O Velho e o Mar. Um marco de Ernest Hemingway, herói redivivo. Lúcida leitura que faça do mundo. Um ato deslumbrado, como um milagre a se consumar em minhas mãos exaustas de tanto garimpar sonhos ingênuos em cada vão momento que me abstraio e durmo. Letras, letras e mais letras...
O idioma é o caminho certeiro que nos conduz a conhecer o mundo todo, sempre a partir de nós mesmos. Prosa, poema que também reinvento junto com Ernest na esperança de ser feliz do meu jeito único carregado de estranhamento.
De quando em vez, sinto medo de adentrar este tão desconhecido mundo. Universo cosmogônico. Paralelismo de concreto em que não raro, me distraio, adormeço e realizo grandes encontros comigo mesmo. Meu medo, no entanto é saber que de solidão também se morre.
Morrer de passarinho apedrejado pelos fantasmas do tempo a nos perseguir pela vida adentro, onde quer que estejamos. E quiçá, a dentro de mim mesmo. Portanto, sinto que corro imenso perigo ante as ocupações que tenho. Angústia que sinto e alimento. Ilusões que guardo no bolso com vergonha de mostra-la a todos os meus inimigos íntimos.
Minha cabeça agora é toda uma nebulosa de inquietações incríveis. Incursões psicológicas que experimento de um jeito diferente como nunca na vida me havia ocorrido. Vejo agora diante dos meus olhos aventureiros, outras paisagens, culturas de povos, outros caminhos...Puro alumbramento de menino diante de espelhos.
Estou por assim dizer, mergulhado neste mundo novo, supostamente engendrado e construído sob o que um dia pensara Hemingway na sua fantástica imaginação de títere. Razão total sempre a mover os que são guerreiros.
Estou imerso num lago fundo cheio de desejos incontidos. Um Atlântico de invenções literárias que nos ocupam o ócio e nos divertem a alma. Puro êxtase. Pleno transe.... Pensamentos que nos provocam a pensar um novo mundo. Uma enxurrada de ilações grandiloquentes agora se precipita em meu cérebro. Como ilações superlativas. Vazio. Vácuo de um tempo quase ilógico. Imensidão de bizarros seres escravizados em suas paixões de rebanhos. Gregários passos. Ilusionismo de ingênuos. Como espelhos invertidos em que me vejo muito mais por dentro.
Sinto-me, portanto, literalmente embriagado pelo absinto aromático e saboroso desta lavra surreal de Ernest. Senso enigmático de quem se cansara de tudo que é velho.
Alto-ego há muito sonhado pelos gigantes do pensamento humano universal. Agora vejo tudo do mais alto cume. Sobrevôo sempre que desejo o Nebo montando o meu cavalo perseguindo o velho sonho de Ícaro.
O invisível agora é concreto. Ventos Alísios e oceânicos beijam o meu rosto. Meu medo é saber que os que voam são todos odiados pelos fracos. Covardes que há muito envergonham todo o mundo.
‘O velho e o mar’ muito mais do que ‘Por quem os sinos dobram’ repercute no meu ser como que me chamando a enxergar outros caminhos. Outros sentimentos. Palavras a me transportar muito além do convencionalismo de tudo o mais que existe e não faz sentido. Sensações do mais puro estranhamento. Silêncio profundo em que me indago em longos momentos eternos.
Pleno monólogo a que só os que se consideram louco de sabedoria se entregam de corpo e alma por completo a tudo isso como um vício. Sensação de quem está o tempo todo interrogado por juizes injustos. Efêmero não-ser outro. Terno querer ser cosmos e habitar o todo no seu mais completo conceito prático. Eu profundo em meus conflitos. Holística visão de tudo que é. Etérea sensação. Metalinguagem em profusão. Querer ser, dimensão de tudo que acaso existe a partir de nós, como de resto.
Diante de tudo diria que de algum modo, a partir do que pensou Hemingway eu me renovei por dentro, quem sabe, com a mesma sensação gostosa de quem toma um banho fresco em cachoeiras frias. Após caminhar sem rumo pela vida eternamente. Mata fechada. Léguas tiranas pelos sertões longínquos, inóspitos, de um ambiente adusto, solitário e semi-árido.
Penso que todos os que têm sede de descobrir verdades para si mesmos ou quem sabe, almejam entender um pouco mais da vida e do mundo a sua volta estarão sempre condenados a sorver do mesmo cálice de Hemingway. E de algum modo, posso assegurar que provei deste líquido. Na sua mais louca e audaciosa profusão.
E da minha parte, sei que conseguirei suportar toda a verdade que escolhi para mim.
Mesmo sabendo que Hemingway é uma bebida forte demais para os que não estão acostumados a encarar de frente a cosmo-visão do novo, do inusitado... Depois de Ernest – todo o amanhã agora nasce e morre do meu lado. E minha janela é todo o paraíso possível que existe. Como um aspecto sutil e filosófico das coisas relativamente simples, mas que não aprendemos ainda a compreendê-las por dentro. Não somente no seu sentido prático.
A que tudo o mais eu chamaria de experiência surreal dos conceitos, chegando a beirar o absurdo, o supra físico em que nosso nível mental liberto de antigas amarras nos possibilitar a e entender toda a angústia do imponderável.
Nosso pensamento desse modo vai além do velho padrão mundano em que nos tornamos todos prisioneiros.
Depois de Hemingway a ninguém é dado o direito de permanecer normal. A padronização e o lugar comum é mais que uma vergonha: é um pecado estúpido. Todo o lixo de uma civilização que não deu certo e que precisa urgentemente recomeçar do zero. Do contrário sucumbirá no seu próprio asco.
Se escrever bem carece de uma vida solitária. Então por que escolheu o tiro fatal para sair de cena? Não. Hemingway não mereceu ser o carrasco de si mesmo. Ele não aceitaria esta covardia contra o seu espírito aventureiro. As montanhas cubanas eram o seu éden verdadeiro.
O pomar em que colhia quando queria todo o néctar e a doçura da sua lavra gostosa e aromática. Sua escrita tinha cheiro de flor e, quando necessário, o travo do caju dos brejos mais recônditos e escondidos.
Selva cubana em silêncio. Ventos frios. De onde nos seus vôos ousados chegava à Madrid e a Paris. E Paris para Hemingway era mesmo uma festa que não tinha fim. Ernest Hemingway sempre estará comigo toda vez que precisar interrogar o tempo. Este vilão da cronologia a roubar minha alma e minha juventude. Este carrasco que a tudo come, dilacera e devora, tanto por dentro quanto por fora.
Hemingway é isso e mais um pouco. Algo que nos toca fundo a consciência, nos chamando à reflexão e a vida.
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(*) Por José Cícero
Secretario de Cultura de Aurora-CE.

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