domingo, 24 de janeiro de 2010

Leitura do dia-a-dia: Afinal, para quem e para que se escreve?

Por José Cícero*
Ler e escrever, elementos importantes para a formação do cidadão.
O ato de escrever é por excelência, um ofício dos mais solitários que existe. E isto, diria que é fundamental para que possamos viajar no universo particular das idéias e ilações outras que juntas compõem o imaginário criativo, assim como a aguçada observação do escritor.
Diria até que esta solidão é a mais produtiva e salutar de todas as solidões que existem, através da qual o homem consegue plasmar o mundo em sua volta por meio de palavras, símbolos e signos. Coisas absolutamente necessárias à devida compreensão e aquisição dos valores e das impressões do mundo real e das idéias.
Um pressuposto através do qual o homem(em especial o escritor) consegue, por força do seu subjetivismo pensamental vestir-se de Deus e, deste modo ousado e encantador criar o mundo que deseja e imagina ideal, às vezes até metafísico. Uma maneira surreal de substituição da vida monótona, segundo a bula dos seus ideários imaginativos e semiótico. Ou ainda, consegue dar uma feição diferente ao sentido pragmático das coisas e das pessoas. Enfim, divinizar ou profanar a seu bel-prazer ante sua pena, toda a matéria existencial por meio da palavra escrita perante a contextura da linguagem.
Como também até romantizar as relações humanas e as situações interpessoais pela energia sinérgica da poesia, da tessitura do verbo fazendo da linguagem escrita um instrumento de melhoramento e de progresso humano através dos tempos, desde a prodigiosa invenção da escrita.
A Produção escrita e a falta do público-leitor:
Mas digamos também que não existe algo mais angustiante do que escrever para si mesmo. Ou seja, a constatação da falta de um público-leitor que possa receber de bom grado a produção escrita das suas idéias. A poética sensorial do seu esforço mental no sentido de colocar no papel ou na tela do computador suas impressões subjetivas sobre o mundo, a vida, o espectro comportamental das pessoas, as utopias, os sonhos, as contradições históricas do homem, a fenomenologia das nossas próprias concepções mais incríveis. Enfim, o próprio mundo nas suas mais diferentes variáveis e versões psicológicas.
Esta percepção da falta de leitores é um fato, mesmo hoje quando existe uma série fantástica de facilidades de acesso às ferramentas de conhecimento e informação; ambas baseadas na leitura como instrumento de valoração e construtora do conhecimento e do saber.
Há, por assim dizer, uma dicotomia absurda entre o que se produz na chamada(agora) sociedade da informação, do ponto de vista literário-informativo e o que se consome no aspecto do público-leitor. O que faz dos brasileiros, um dos povos que menos lêem nas Américas.
Então, onde se situa a função social da escola e, sobremaneira o seu papel de produzir leitores, pesquisadores e escritores? Enfim, os agentes da cidadania. Que sociedade conseguirá superar o seu atraso sem a busca incessante do conhecimento e sem o apego espontâneo ao hábito da leitura?
Literatura e pedagogia dois elementos cruciais à produção do conhecimento:
Malgrado todo o discurso governamental fazendo coro com o aparato escolar, o hábito da leitura da nossa população, sobretudo estudantil é uma falácia. Um projeto posto no papel como forma de camuflar a dura realidade na ânsia de se agradar os tecnocratas do poder e do sistema educacional.
A preocupação agora é apenas evitar a evasão, a reprovação no sentido de atender os índices técnicos assim como os números frios das estatísticas destoantes do real a pedido dos governos. De fato, no papel tudo é diferente. Um mar de rosas rubras. Um céu de brigadeiro. Na prática a realidade é diametralmente oposta. Um despreparo que beira quase o impossível... Razão do baixo índice de aproveitamento educacional dos estudantes brasileiros. Ocupamos a 88ª posição no IDE mundial, (pasmem) atrás de Paraguay, Equador e Bolívia. Então o que fazer? Continuar simulando os resultados? Não elegendo a leitura e a produção escrita como uma prioridade?
E agora(como no passado) não vale mais a desculpa evasiva de que a inexistência de bibliotecas é o xis da questão, assim como a falta de aporte financeiro. Porque não o é.
Por que a leitura não é levada a sério no Brasil?
Não vale igualmente a velha desculpa como resposta esfarrapada: - “não disponho de tempo para a leitura”... Por que neste caso caberá a pergunta: - “E para a TV você tem tempo?”. Dividamos o tempo dedicado a TV pela metade e aí com certeza teria muito tempo para os livros. Esta é uma equação simplória. E tem mais: muitos só vêem o que há de pior na TV brasileira – as novelas, o BBB, e os Faustãos da vida. Também a quem ensina, o ato de aprender é algo primordial. De tal sorte que o livro e a leitura são coisas absolutamente imprescindíveis. Do contrário, toda a nossa educação estará de vez comprometida.
O cerne da questão, portanto, é a maneira quase deletéria, falsificadora e descompromissada com que muitos notadamente os que secularmente geriram o aparelho governamental, educacional, midiático; os senhores das elites(os donos do poder) e, a burguesia que conjuntamente têm tratado as nossas massas como se ainda estivessem no sistema escravocrata. Onde o acesso ao conhecimento pelo povo tinha que ser negado a todo custo.
A ignorância sedimentaria o caminho fácil para a exploração. A miséria, inclusive, intelectual, seria um forte instrumento de opressão utilizado a granel pelas elites senhoriais. De certa maneira, há ainda hoje no nosso sistema, resquícios consideráveis remanescentes daquela velha realidade/estrutural como que impregnada no nosso imaginário coletivo.
Eis a razão do nosso déficit na leitura e na produção textual. Eis a razão da nossa incompetência história, clamorosa em relação ao livro. Eis o nosso fiasco educacional.
Depois, a falta de um projeto literário-pedagógico que tenha como mira a leitura com um item fomentador e construtor de novos cidadãos, críticos, reflexivos e conscientes do seu importante papel a desempenhar na construção social da sua própria história.
Não adianta mentir: a falta do hábito da leitura não é uma realidade exclusiva apenas dos estudantes. A quase ojeriza ao livro e a ausência da leitura como um hábito cotidiano é também um fato evidente, presente na maioria esmagadora dos nossos professores. Por isso é preciso reafirmar: mais do que o discurso autoritário no quadrilátero da sala, urge dá-se o exemplo. E mais: chega de impor obras macarrônicas para os nossos jovens estudantes. O despertar para a leitura não acontece por imposições implacáveis e, tampouco por cobranças estéreis. O necessário e mais importante é fazermos com que a criança/adolescente possa por si mesma construir esta ponte com a leitura. E deste modo, poderá nascer uma verdadeira relação de apego ao livro como uma coisa prazerosa.
A leitura precisa virar de vez uma mania nacional assim como é o futebol e, infelizmente agora por todo o Nordeste, as chamadas bandas de forró – que estão produzindo um verdadeiro câncer social, sobretudo na nossa juventude. Sem esquecer os viciados nas telenovelas...
Um livro difícil inadequado para a faixa etária assim como para o grau de leitura já experimentado pelo aluno, ao contrário do que se espera, poderá criar-lhe para sempre uma barreira psicológica de aversão e medo a qualquer tipo de leitura. De modo que o livro será a representação tácita de um instrumento opressor. Creio que isso, dentre outras coisas, tem sido uma das causas do problema. Afinal não existe algo mais contraproducente do que o professor indicar como tarefa a leitura de uma obra(por exemplo) do chamado romantismo para os que não estão minimamente preparados para este tipo de leitura. E isso é algo corriqueira no nosso sistema educacional, desde o seu nascedouro. Obras que muitas vezes sequer o próprio professor se dera o trabalho de lê-la. Porque o problema da leitura(ou a falta dela) também diz respeito ao professor, tanto no passado quanto no presente. Então, de que adianta tanto fisiologismo? Tanto faz-de-conta para quê? Falsear a dura realidade relacionada ao baixo índice de aproveitamento educacional da nossa gente é não compreender que a falta de leitura, assim como de um projeto ousado no âmbito da pedagogia, está contribuído para esta situação de verdadeiro descalabro por que passa a nossa educação.
Portanto, o hábito da leitura ou a falta dele é algo que está diretamente ligado ao progresso da ciência, da cultura, do saber e da cidadania de um povo. De modo que, sem este instrumental a sociedade tende com o tempo a regredir intelectualmente e por via de conseqüência, todos os seus principais valores desmoronam.
Ler, um exercício que precisa virar de vez uma mania nacional, tanto quanto as novelas globais, o futebol e o BBB:
Investir no hábito da leitura, a começar pelos que se dizem fazedores da educação, é um ato de grandeza necessária para que se possa tirar o país do verdadeiro caos em que está beirando. Para tanto é preciso dá-se ao exemplo. Afinal de contas, por que tanto medo e até preconceito em relação ao livro? Por que muitos adoram dizer que leu tanto, apenas na lábia? Por que quando muitos compram alguma obra literária, preferem as que estão na mídia propagadística, como um verdadeiro estado de auto-afirmação, a exemplo das de Paulo Coelho, Dan Brouwn entre outras que apenas servem aos lucros das editoras? Por que não lêem de verdade e, principalmente material de qualidade?
Por que desconsideram tanto o jornal escrito, o teatro e arte visual(o cinema) como ferramentas auxiliares no processo da aprendizagem? Por que hoje não existe público para a poesia? Será por que a poética muito mais do que a prosa, exige um alto grau de entendimento, conhecimento, que não dispomos? Ou pela simplesmente pela preguiça mental ou dificuldade de nos abstrair um pouco do convencionalismo cotidiano marcado pela mesmice e ócio em relação ao sabe? Refletir sobre tudo isso procuraando mudar nossos velhos paradigmas diria que é dá-se ao exemplo, a começar pela opção da verdade.
Aliás, o nível das nossas redações é algo deprimente. Porém, digamos que isso é o óbvio: quem não ler bem, não escreve, não escuta e nem fala adequadamente, do ponto de vista gramatical, como bem prega a boa norma culta/erudita e do vernáculo. Desde modo, a forma como acontece a invasão da nossa língua pelo estrageirismo alienante é no mínimo, algo vergonhoso. Para uma nação que já teve figuras como Machado de Assis, Rui Barbosa, José de Alencar dentre outros literatos. Um problema, inclusive que a escola deveria está preparada para defender...
Quando chegamos à residência rural de um agricultor é óbvio que iremos encontrar seus instrumentos de trabalho: foice, enxada, machado etc. Agora, o curioso é chegarmos à casa de um professor e não encontrarmos livros. Uma clara evidência de que muita coisa está errada nesta questão. Uma clássica inversão de valores.
Por fim, quero apenas dizer neste debate quase infinito acerca da importância do papel construtor da leitura e do livro para a sociedade contemporânea que, também os nossos escritores, sobretudo os que se consideram da literatura marginal – os que escrevem para si mesmos – tudo isso é por demais angustiante. Conquanto, sem leitores a própria produção literária do país se esvai e perece. E como diria Lobato: Uma nação se faz com homens e livros.
Viva a leitura viva, porque dela dependerá também o cidadão do futuro.
(*) José Cícero
Prof. Poeta e Escritor
Secretário de Cultura e Esporte
Aurora - CE.
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