terça-feira, 18 de maio de 2010

Zé da Manga da Missão Nova que eu conheci

Por José Cícero
Capela de Stº Antonio do distrito de Missão Nova
Ele era o nosso eterno palhaço.
A literal animação da nossa vila.
Um Dom Quixote engraçado.
Inveterado bebedor de aguardente.
Sua moeda era a ‘branquinha’
Mesmo sempre tonto...
Era ele quem levava as encomendas
Assim como todos os recados mais urgentes.
Até mesmo os bilhetinhos de namoricos
E outros casos confidenciais dos casados
Que não podiam ser de todos conhecidos.
Ele era um bêbado, clássico.
O verdadeiro ébrio de Vicente Celestino.
Às vezes fazia o papel de chapeado.
Uma espécie hoje em extinção.
No entanto era leal, honesto, respeitador e confiante.
Sabia do seu jeito guardar segredos
Como dizia, ‘a sete chaves’.
Mesmo que ameaçassem cortar sua língua.
Não falava nada.
Mas aquilo tinha um preço:
Uma bicada à capricho.
Um “oito” – copo cheio
“passado à tábua”,
da mais autêntica caninha do brejo.
Made in sertão,
dos alambiques dos engenhos de cana de Pedro Saraiva,
Antonio Ageu, Pedro da Cruz e Seu Joaca.
Ou em último caso, umas moedas também eram bem vindas.
Vivia o tempo todo sob os efeitos da cachaça.
Dormia embriagado
às vezes nos alpendres das bodegas
ou na bagaceira do engenho.
Acordava para beber...
Bebia para dormir e para viver
A vida que escolheu para si.
Nunca lembro de um dia sequer
Tê-lo visto sóbrio ou se alimentando.
Mas estava sempre alegre.
Era feliz na vida do seu jeito.
Sua cara era o retrato fiel da embriaguez.
Vivia sozinho naquele mundo que era a Missão Nova.
Talvez o único que ele conhecia na face da Terra.
Gabava-se de ser o mais conhecido dos mortais.
Mais que o vigário, o senhor do engenho, o palhaço Fuxico,
o dono do misto da feira e o prefeito.
Sua popularidade ia muito além das fronteiras
daquela pequena vila solitária
esquecida no oco daquele mundo caririense.
Era um bebedor nato – uma persona...
Fazia gosto vê-lo sorver com pura maestria
A ‘branquinha’ no copo de vidro de fundo grosso.
Bebia como diziam, como se fosse água.
E ainda por cima, como se quisesse.
zombar de todos lambia os beiços.
E estalava os dedos de um modo estranho.
Era um mestre na arte de apreciar a aguardente.
Ao ponto de saber o nome e a procedência
de todas as pingas que consumia.
Era um exímio degustador etílico.
Mesmo sempre alegre e engraçado,
às vezes também provocava medo em nós meninos
que o assistíamos na sua lida alcoólica do dia-a-dia.
Onde houvesse um balcão ele estaria por perto.
Era um fino respeitador das mulheres e dos velhinhos.
Anos depois, já homem feito e distante daquele povoado.
Fiquei sabendo que ele havia morrido.
Assassinado que foi durante uma festa de ‘renovação’:
um samba como se chamava naquele tempo.
Nunca soube do contexto.
Fiquei triste com a trágica notícia...
Até hoje, mesmo depois de quase quatro décadas
do seu desencarne,
Ainda guardo comigo as suas lembranças
E as suas peripécias: Zé da Manga era seu nome.
A vila era Missão Nova;
lugarejo onde passei parte da minha infância
terra da minha vó paterna.
Hoje um próspero distrito
da minha Missão Velha onde nasci.
Pequenos pedaços. Fragmentos de memórias
de um passado que nunca passa...
(*) José Cícero
Secretário de Cultura
Aurora - CE.
LEIA MAIS EM:

Nenhum comentário: