terça-feira, 2 de junho de 2009

Trabalhadores de Aurora tentarão a sorte nos canaviais paulistas


Por: José Cícero
A Saga dos homens sertanejos se aventurando no além-fronteira
Todo ano a situação se repete. Empurrados pela necessidade cada vez mais crescente de emprego na luta pela sobrevivência, grandes levas de jovens trabalhadores rurais de Aurora são obrigados a deixar a sua terra natal para se aventurarem na agricultura canavieira do interior de São Paulo. Esta realidade é hoje uma constante na vida de um grande número de jovens trabalhadores espalhados por diversos pequenos municípios do interior do Nordeste.
É quase uma diáspora dos tempos modernos, uma vez que diversas famílias são separadas dos seus entes queridos por forças das contingências sociais, ou seja, na busca de melhores dias.
Esta migração anual vem virando rotina na vida de centenas e centenas de famílias de várias cidades do Cariri e do Nordeste como um todo. Uma prova de que o Brasil ainda não conseguiu resolver as suas mais gritantes contradições agrárias e, tampouco o grande sofrimento conferido ao trabalhador rural da chamada agricultura familiar ou de subsistência.
Nos anos de estiagem prolongada ou de seca verde como agora, o problema se agrava. Nestes períodos de verdadeiras calamidades, o número de pessoas que resolvem abandonar temporariamente sua terra é algo por demais considerável. Uma verdade quase incoveniente...
A falta de uma reforma agrária efetiva, aliada ao desemprego estrutural se expressa cada vez mais nestes verdadeiros movimentos migratórios que anualmente se repetem de forma intensa e no alto salgado do Cariri Cearense.
Um fato no mais das vezes lamentável quando se leva em consideração as condições produtivas das terras nordestinas e do vale do Cariri. Há ainda, por outro lado, um verdadeiro corte familiar quando muitos são quase que forçados a deixar para trás famílias inteiras. Este incrível acontecimento carrega no seu bojo, uma constatação: a de que o Brasil necessita com urgência de uma reforma agrária séria voltada para, entre outras coisas, garantir a fixação do homem na sua própria terra.
Existe hoje em todo o Nordeste um notório esvaziamento e abandono do campo. De modo que é possível constatar também o processo cada vez mais intenso do êxodo rural. O abandono do campo é hoje, uma realidade das mais preocupantes. Algo que está a ocorrer em todos os recantos rurais do Ceará e do Cariri com especialidade. Nossa zona rural, por outro lado, está virando um deserto. O clima de abandono é quase total. A produção algodoeira e canavieira agora é quase inexpressiva. Um acontecimento que, ao que tudo indica começa a se perder de vez nas brumas de um passado recente. Os antigos engenhos de rapadura, por exemplo, que antes eram a marca do Cariri e do Nordeste; hoje praticamente não existem mais. Causando assim um grande baque na base da principal economia dos nossos sertões. Os velhos engenhos hoje no Ceará não passam de um símbolo remoto de uma saudade que nunca passa. A solidão e o abandono são hoje duas faces de uma mesma moeda quando se trata da zona rural como lugar antes aprazível de moradia, produção e fonte de renda.
Casebres e até os velhos casarões dos antigos coronéis/latifundiários estão hoje em completo estado de abandono. Uma situação que bem denuncia também o grau do desprezo em que estiveram(e ainda hoje) continuam submetidas populações inteiras do nosso interior. Estes que estão como que obrigados a deixar suas terras para trás, em busca da ilusão de melhores dias nas cidades e até mesmo em outras regiões desenvolvidas do país. O que só agrava ainda mais a péssima situação vivida pelas grandes metrópoles brasileiras.
A Partida:
A partida do ônibus é uma tristeza. Mães, esposas, namoradas, filhos e parentes todos ficam com o semblante cortado pelo choro e os olhos mergulhados em lágrimas. As ruas que contornam a pracinha com a estátua do Padre Cícero ao centro, parece ainda mais pequena diante do grande número de pessoas que testemunham mais um triste espetáculo na vida da juventude sertaneja.Uma agrura que a partir daquele momento se fará como que inenarrável o cotidiana a partir de então. O clima de despedida parece entristecer a todos, tanto os que partem quanto os que ficam. Todos ali parecem apostar na perspectiva de um futuro melhor. O apostar no futuro é a tônica de cada um dos que parte deixando seu torrão para trás. Todos têm que acreditar. A fé, assim como a ousadia e a coragem são ingredientes que lhes fortalecem o ânimo para a batalha que agora está só começando...
O eterno devir
Para muitos deles, este acreditar logo se transformará em ilusão. A vida difícil também os acompanha até o corte da cana no interior paulista. Alguns, segundo confidenciam, conseguem juntar algumas economias, outros na sua maioria, sequer conseguem o dinheiro suficente para o retorno no tempo marcado. Quando outros não voltam nunca mais, vítimas que são dos seus 'gatos', do trabalho escravo, ou mesmo de algumas das várias enfermidade que os acometem nas terras do Sul.
A lida é árdua mas a saudade de casa, é no mais das vezes, um fardo muito mais pesado do que o trabalho braçal empreendido no corte do canavial. A fé assim como a vontade de voltar para o seio da sua gente os anima. De tal modo que os dão muitas vezes, a energia necessária para agüentar aquele martírio com a mesma bravura somente conferida aos verdadeiros heróis. E eles partes como deserdados de uma nação distante e desalmada, querendo uma nova chance de abraçar a liberdade, tanto quanto o sonho de grandeza, que os animará até o retorno no final do ano. O ônibus parte. Acenos de mãos dos dois lados se repetem como um espetáculo especialmente ensaiado para o instante da partida. Abraços de despedidas, beijos de até breve, aperto de mão, palavras de boa sorte e 'vai com Deus'. Frases curtas mas que na repetição quase desenfreada da mutidão funcionam como afagos aos olhos e o coração de todos aqueles homens, jovens, que se entregam ao sabor da sorte e do destino como autênticos Prometeu do sertão do oco do mundo. Sempre acreditando que o amanhã será quase sempre possível a partir de uma construção coletiva com as forças dos seus braços e a energia das suas mãos, coração e mentes. Eles não esperam que o futuro aconteça por si mesmo(ou por mero acaso da sorte simplesmente), como muitos o fazem. Eles vão lá e o constrói com seu esforço, coragem e disposição de luta. Acreditando em Deus, toda a divindade parece está do lado deles. O padre Cícero no alto da praça também parece insinuar uma benção para todos. E eles todos acreditam neste mistério ao passo que repetem o gesto na direção do que eles próprios chamam de "o santo do Nordeste". E assim seguem crentes no acontecimento de um grande milagre. Talvez aquele que mesmo sonhado há anos, nunca ocorrera por estas bandas. Porém o governador perpétuo do Sertão os promete. E eles acreditam piamente nesta assertiva. A esperança é tudo que lhes restam depois daqueles momento eterno onde as sensações mais latentes se misturam as suas emoções. E eles se agarram a ela(a esperança) como se fosse o mandacaru do sertão, confiando sempre na segurança máxima dos seus espinhos. Uma carnaúba desfolhada, como gente esquelética com as mãos para o alto pedindo, implorando água e bonaça aos céus. O céu de brigadeiro está em São Paulo, imaginam todos eles. Irmãos da sorte ou das desventura... Fica uma saudade tão forte ao ponto de dissipar o próprio sofrimento do sertão sem oportunidade.
O futuro:
Aurora agora começa a ficar para trás. O futuro é uma estrada longa quase sem volta, quase sem fim... Quem sabe uma condenação inexorável com o devir. Ninguém jamais pôde, por capricho ou opção, se livrar desta imposição cronológica do tempo sob o tacão e a mecânica natural das coisas. O destino lhes espera no além-flornteira ante os extensos canaviais paulistas. E assim eles se matêm conformados com o destino que a sorte escolhera para eles. O futuro que lhes fora confiado não haverá de os trair. Não, desta feita não. Simplesmente porque Deus e o padre Cícero não o desejam. Ninguém sabe ao certo o que lhes espera nos confins do mundo. Mas eles mesmo assim acreditam. Afinal, que outra opção haverá de escolher, senão acreditar até as últimas consequências das suas atitudes ousadas de célebres Dom Quixotes da caatinga? O desconhecido há muito passou a povoar o imaginário desta gente da Aurora: forte, destemida e sonhadora. Como de resto acreditam no velho ditado carcomido de que 'quem cedo madruga: Deus Ajuda'. Mas muitas vezes Deus parece está ocupado demais para testemunhar todo o drama e o sofrimento vivenciado pelos sertanejos canoeiros dos sertões de Aurora e do Nordeste inteiro, agora espalhados pelas terras estranhas. Lugar onde o sertanejo como sempre, é ainda hoje transformado, no que um dia Euclides da Cunha nominou de “hércules quasímodo”. Mas não. O homem caririense onde quer que esteja, ou é uma lenda ou um indelével sinônimo de valentia e consideração
- Vai como Deus meu filho! Meu padim padim ciço lhe proteja e guarde!
- A bença minha mãe! - Deus te abençoe meu filho!!
- Eu te amo meu amor! – Um cheiro minha Nega! Já já nós tá de volta...
As palavras de cuidado e de carinho começam a ficar inaudivéis, fracas, distantes, dando lugar ao gesto, ao meneio ao balançar rítmico das mãos espalmadas agora solta ao vento.
O ônibos aumenta a velocidade. Aurora agora é uma miragem. Uma lembrança a povoar muito mais o imaginário de todos aqueles que no interior do veículo começam a dirigir seus olhares e pensamentos para o que ficou para trás. Como também pelo mistérios das coisas e dos acontecimentos que os esperam na distância. Nas terras onde o desconhecido mais parece um fantasma horrendo. Uma visagem em carne e osso. Um pássaro agourento a atormentar seus ouvidos e sua paz. A partir deste instante cruel, os canavieiros da Aurora não têm mais escolha senão acreditar na esperança de que um novo amanhã será possível a partir das suas crenças e na feitura dos calos das suas mãos empreendidas a edificação da magia ou do milagre.
Uma ousadia em favor do sonho:
Uma história de coragem, luta e ousadia começa a ser escrita a partir de então. E os canavieiros d'Aurora agora são a um so tempo, testemunhas e personagens de uma saga. A náu agora navega no alto mar da ilusão. O desafio foi lançado. Os homens da Aurora agora têm a chance de promover pela primeira vez na sua história um acerto de contar do seu passado e presente com o futuro que eles mesmo poderão escolher e construir. O padre Cícero, sisudo e impávido permenece no centro da praça orando por todos eles, agora sozinho, assim como os trabalhadores aurorenses quando no meio dos canaviais das plagas bandeirantes.
Por José Cícero
Da Redação do blog do JC
Aurora-CE.

Um comentário:

Unknown disse...

O Brasil vive um grande paradoxo, são dois gumes afiados que quebram qualquer lógica, qualquer estrutura pensamental é dissolvida no centro da contradição, pois senão vejamos: Enquanto hoje, O Brasil é um dois maiores exportadores de jogadores de futebol, o que não vejo nenhum problema, afinal são oportunidades futuras a uma vida sem muitas perspectivas financeiras em clubes futebolísticos, muitas vezes falidos, por uma administração caótica, vez que os estádios estão sempre lotados e o clubes as mais das vezes falidos.
O Que dói, ou deveria doer na consciência da sociedade brasileira é saber que, os clubes internacionais estão comprando criancinhas craques ainda no futebol infanto juvenil por milhões de dólares colocam na bolsa de valores e esperam o retorno financeiro à custa deste pobre mirim que foi “vendido” pelos pais e pelos clubes, muito, nem tem noção da negociata entre família, clubes e profissionais do esporte internacional. Por Outro Lado a Revista Aurora, em pesquisa de Campo com o editor José Cícero da Silva, nas paragens para informações nas residências rurais, uma surpresa, a Casa vazia, o meio rural esvaziado. Não existe uma política de integração do homem no seu habitat natural. A ordem Santa Cruz está muito preocupada com esta situação, pois os membros mais novos já ultrapassaram os 40 anos e a continuar com esta diáspora, em poucos dias, nem teremos Ordem Santa Cruz, nem comunidades rurais, nem cultura sertaneja, nem sertão,nem mar, nem sol, nem vida digna e nem futebol.