Benjamim Abraão Botto – A priori um mascate modesto, desconhecido como tantos outros, mas que se fez grande não por seu trabalho de vendeiro viajante, porém por ter registrado para a história as célebres imagens de Virgulino, Lampião, o rei do Cangaço e o seu bando em plena caatinga dos nossos sertões entre 1935-36.
Diria que a figura deste retratista-cineasta foi de uma importância singular, tanto quanto, a do próprio Lampião para que a contemporaneidade pudesse agora desfrutar das imagens raras de uma gente que com seu modo de vida inédito ajudou a escrever com sangue, luta e sofrimento o mais legítimo fenômeno social do Nordeste brasileiro. A sua empreitada em filmar Lampião e os seus cangaceiros em plena atividade, foi por assim dizer, um verdadeiro insight por meio do qual um fato sociológico fosse imortalizado. Foi este o peso da decisão, da vontade e da busca incessante abraçada por Benjamim no sentido de registrar a face real de Lampião e seus asseclas nos rincões do Nordeste. Por tudo isso foi ele(o retratista), caixeiro-viajante, um homem empreendedor e de princípio, que esteve muito além do seu tempo. Qualidades que só encontramos nas figuras visionárias em momentos específicos da história planetária. Por tudo isso, sua figura deveria ser muito mais valorizada por todos quantos se dão à árdua tarefa de interpreta e reescrever a verdadeira saga de Lampião e o Cangaço. Pois foi através dele que podemos usufruir hoje do que ainda resta das imagens de Lampião. Assim, a iconografia do cangaço como um todo deve muito aos esforços deste estrangeiro que, como muitos, devotou uma grande paixão pela opção de vida e atuação de Lampião e sua gente.
Um pioneiro na arte imagética do cangaço
Numa época em que os filmes e a arte da fotografia eram coisas difíceis, portanto, só ao alcance das elites da capital, Benjamim Abrahão, se aventurou a adentrar a mata espinhentas e seca dos sertões para registrar in loco a face autêntica do cangaço. Um ato ousado e para poucos, por uma série de motivos. Abrahão teve o tino, inclusive, de procurar ajuda do empresário do ramo fotográfico Ademar Bezerra; proprietário da antes famosa ABAFILM, por sinal, uma empresa genuinamente cearense. Não fosse o ímpeto corajoso deste homem sírio-libanês, muito pouco ou quase nada saberíamos da iconografia do rei do Cangaço e, tampouco teríamos a noção real dos seus verdadeiros traços físicos e trejeitos. Tudo imortalizado pelas fotografias e outras imagens em movimento realizadas a duras penas pelo destemor do Abrahão.
O mais sírio-libanês dos brasileiros:
Chegou a Brasil no distante ano de 1915 fugindo que estava da 1ª guerra mundial e do próprio Império Otomano do seu país. Chegou pelo Recife. Virou mascate, adentrou os sertões como viajante, vendedor de tecidos e outras bugigangas do gênero, até alcançar à vila de Juazeiro do padre Cícero. Afeiçoado por todos do lugar não demorou muito para galgar a simpatia do padre. Ao ponto de tornar-se em seguida, o seu próprio secretário particular. De fala enrolada fez-se bom na escrita, assim como nos atos contínuos e outros protocolos legais. Era um exímio fazedor de amigos, talvez por isso ganhara logo a confiança do padre Cícero e por pura gravidade, de toda a romeirada.
Desde a primeira visita que Lampião e seu bando empreenderam ao Cariri, Benjamim Abrahão nutriu a imensa vontade de conhecer de perto aquele que pelo Nordeste inteiro já era uma lenda quer seja como herói e como bandido. Não foi possível em 1925 fazer uma aproximação mais efetiva com o rei do Cangaço. Ele queria muito mais. Desejava fazer uso do que fosse possível à tecnologia da sua época. Deu, assim como se diz, tempo ao tempo. Mas não se demoveu do seu objetivo primeiro: queria porque queria registrar de alguma forma aquele homem diferente, por quem os sertanejos de alguma maneira ou de outra, admirava. Ou pela sua fama de herói ou de facínora. Para ele, nada disso o importava. O que mais valia era o homem e o seu papel a ser desempenhado na história. Por esta razão, Lampião concentrava sua grandiosa atenção. Somava-se a tudo, a condição de já estar ele ao lado de uma outra lenda viva do Nordeste: um homem efetivamente do povo – o padre do Juazeiro. Desde então, não afastava a idéia de também se aproximar do rei do cangaço quem sabe por intermédio do sacerdote. Para ele, tudo não passava de uma questão de tempo. E o tempo logo não tardaria a rumar novamente ao seu favor. Isso era quase um pressentimento. Um ano se passara desde a primeira visita de Lampião à pequena vila. Logo a notícia se espalhara como fogo de broca ao sabor do vento. Lampião não tardaria a chegar de novo ao Juazeiro. Desta feita, animado que foi pelo convite do Dr. Floro Bartolomeu - braço direito do padre, que lhe concederia em nome da república, o título de “capitão” a compor as fileiras dos chamados ‘batalhões patrióticos’ do Governo Artur Bernardes que supostamente combateriam a Coluna Prestes – os temíveis comunistas, ateus, filhos da besta-fera, comedores de criançinhas e outras denominações cunhadas inclusive pela igreja. Depois deste fato, Lampião estivera outras vezes no Cariri, especialmente em Aurora quando da trama para a invasão malograda de Mossoró-RN; no histórico envolvimento do reio do cangaço com Massilon e o coronel Izaias Arruda em 1927. Ao que tudo indica o bando lampiônico nunca tivera este encontro com os revolucionários sob o comando do “cavaleiro da esperança”. Mesmo que o rei do cangaço tenha insistido em dizer que o tivera.... Em todo caso, tal título nunca servira de verdade ao bandoleiro, que não fosse como mais uma propaganda que muito o ajudou a aumentar ainda mais a sua fama. Por onde andou e tentou fazer uso deste título, porém de nada ele representou. O confronto à bala sempre foi o cartão de visita que o esperou pelos grotões dos sete estados nordestinos que atuou, sobretudo quando não contava com seus coiteiros figadais.
Diria que a figura deste retratista-cineasta foi de uma importância singular, tanto quanto, a do próprio Lampião para que a contemporaneidade pudesse agora desfrutar das imagens raras de uma gente que com seu modo de vida inédito ajudou a escrever com sangue, luta e sofrimento o mais legítimo fenômeno social do Nordeste brasileiro. A sua empreitada em filmar Lampião e os seus cangaceiros em plena atividade, foi por assim dizer, um verdadeiro insight por meio do qual um fato sociológico fosse imortalizado. Foi este o peso da decisão, da vontade e da busca incessante abraçada por Benjamim no sentido de registrar a face real de Lampião e seus asseclas nos rincões do Nordeste. Por tudo isso foi ele(o retratista), caixeiro-viajante, um homem empreendedor e de princípio, que esteve muito além do seu tempo. Qualidades que só encontramos nas figuras visionárias em momentos específicos da história planetária. Por tudo isso, sua figura deveria ser muito mais valorizada por todos quantos se dão à árdua tarefa de interpreta e reescrever a verdadeira saga de Lampião e o Cangaço. Pois foi através dele que podemos usufruir hoje do que ainda resta das imagens de Lampião. Assim, a iconografia do cangaço como um todo deve muito aos esforços deste estrangeiro que, como muitos, devotou uma grande paixão pela opção de vida e atuação de Lampião e sua gente.
Um pioneiro na arte imagética do cangaço
Numa época em que os filmes e a arte da fotografia eram coisas difíceis, portanto, só ao alcance das elites da capital, Benjamim Abrahão, se aventurou a adentrar a mata espinhentas e seca dos sertões para registrar in loco a face autêntica do cangaço. Um ato ousado e para poucos, por uma série de motivos. Abrahão teve o tino, inclusive, de procurar ajuda do empresário do ramo fotográfico Ademar Bezerra; proprietário da antes famosa ABAFILM, por sinal, uma empresa genuinamente cearense. Não fosse o ímpeto corajoso deste homem sírio-libanês, muito pouco ou quase nada saberíamos da iconografia do rei do Cangaço e, tampouco teríamos a noção real dos seus verdadeiros traços físicos e trejeitos. Tudo imortalizado pelas fotografias e outras imagens em movimento realizadas a duras penas pelo destemor do Abrahão.
O mais sírio-libanês dos brasileiros:
Chegou a Brasil no distante ano de 1915 fugindo que estava da 1ª guerra mundial e do próprio Império Otomano do seu país. Chegou pelo Recife. Virou mascate, adentrou os sertões como viajante, vendedor de tecidos e outras bugigangas do gênero, até alcançar à vila de Juazeiro do padre Cícero. Afeiçoado por todos do lugar não demorou muito para galgar a simpatia do padre. Ao ponto de tornar-se em seguida, o seu próprio secretário particular. De fala enrolada fez-se bom na escrita, assim como nos atos contínuos e outros protocolos legais. Era um exímio fazedor de amigos, talvez por isso ganhara logo a confiança do padre Cícero e por pura gravidade, de toda a romeirada.
Desde a primeira visita que Lampião e seu bando empreenderam ao Cariri, Benjamim Abrahão nutriu a imensa vontade de conhecer de perto aquele que pelo Nordeste inteiro já era uma lenda quer seja como herói e como bandido. Não foi possível em 1925 fazer uma aproximação mais efetiva com o rei do Cangaço. Ele queria muito mais. Desejava fazer uso do que fosse possível à tecnologia da sua época. Deu, assim como se diz, tempo ao tempo. Mas não se demoveu do seu objetivo primeiro: queria porque queria registrar de alguma forma aquele homem diferente, por quem os sertanejos de alguma maneira ou de outra, admirava. Ou pela sua fama de herói ou de facínora. Para ele, nada disso o importava. O que mais valia era o homem e o seu papel a ser desempenhado na história. Por esta razão, Lampião concentrava sua grandiosa atenção. Somava-se a tudo, a condição de já estar ele ao lado de uma outra lenda viva do Nordeste: um homem efetivamente do povo – o padre do Juazeiro. Desde então, não afastava a idéia de também se aproximar do rei do cangaço quem sabe por intermédio do sacerdote. Para ele, tudo não passava de uma questão de tempo. E o tempo logo não tardaria a rumar novamente ao seu favor. Isso era quase um pressentimento. Um ano se passara desde a primeira visita de Lampião à pequena vila. Logo a notícia se espalhara como fogo de broca ao sabor do vento. Lampião não tardaria a chegar de novo ao Juazeiro. Desta feita, animado que foi pelo convite do Dr. Floro Bartolomeu - braço direito do padre, que lhe concederia em nome da república, o título de “capitão” a compor as fileiras dos chamados ‘batalhões patrióticos’ do Governo Artur Bernardes que supostamente combateriam a Coluna Prestes – os temíveis comunistas, ateus, filhos da besta-fera, comedores de criançinhas e outras denominações cunhadas inclusive pela igreja. Depois deste fato, Lampião estivera outras vezes no Cariri, especialmente em Aurora quando da trama para a invasão malograda de Mossoró-RN; no histórico envolvimento do reio do cangaço com Massilon e o coronel Izaias Arruda em 1927. Ao que tudo indica o bando lampiônico nunca tivera este encontro com os revolucionários sob o comando do “cavaleiro da esperança”. Mesmo que o rei do cangaço tenha insistido em dizer que o tivera.... Em todo caso, tal título nunca servira de verdade ao bandoleiro, que não fosse como mais uma propaganda que muito o ajudou a aumentar ainda mais a sua fama. Por onde andou e tentou fazer uso deste título, porém de nada ele representou. O confronto à bala sempre foi o cartão de visita que o esperou pelos grotões dos sete estados nordestinos que atuou, sobretudo quando não contava com seus coiteiros figadais.
Lampião, quando da sua segunda visita ao Juazeiro:
Ainda em Juazeiro, pela segunda vez, Benjamim Abrahão aproveitou deste raro momento de entusiasmo vivido por Lampião e seus cabras. A estadia do bando na vila foi um acontecimento dos mais movimentados e eufóricos. Ao passo que todo mundo do lugar queria ver de perto aquele que até então, não passava de estórias ou de ouvir falar. Mas lá estavam eles, arranchados garbosamente no sobrado da rua central. Sob a aba benfazeja do santo padre na proteção da paróquia. E não era por menos, davam viva ao povo, aos santos, ao padre Cícero e ainda por cima, afagavam o ego da criançada do lugar, jogando moedas como chuvas enviadas por Deus. Era por dizer, mais um milagre do padre, ao domar a fera lampiônica e, ainda fazê-la, boazinha, pródiga e mão-aberta para todos os pobres e ricos do vilarejo. Os céus aprovaram Lampião ao menos naquele dia em especial a compor para sempre uma página importante do cangaço.
No Juazeiro, ninguém conseguiu enxergar, a tão propalada brutalidade e ignorância do bando, como as notícias que ali chagavam, no mais das vezes, de boca em boca, reforçada pelas volantes policiais e a imprensa da capital. Não. Lampião estava com o padre, portanto, era um homem bom, um filho temente a Deus.
E Bejnamim assistia toda aquela cena extasiado, com a mente voltada para a possibilidade de um registro imagético. Algo que sobrevivesse para sempre. Algo que servisse como documento à posteridade. Aos homens do futuro. Quem sabe uma maneira de adiar qualquer forma de julgamento antecipado, preconcebido, apressado daquele fenômeno ao seu juízo, até ali, atemporal. A memória, assim como a imagem de Lampião e seus cangaceiros não podiam egoisticamente acabar ali. Perder-se no tempo e no espaço, como se a sociedade do porvir não tivesse sequer o direito de também poder de algum modo, acompanhar aquelas cenas sui generis para a uma época desregrada da história. Quando todos se centravam no presente, Abrahão tinha os olhos e pensamentos voltados pra o futuro. Quando muitos viam o cangaço pelo prisma míope do momento, simplesmente. Abrahão enxergava longe, via até a possibilidade de fazer fortuna com aqueles acontecimentos que mexiam com a própria sociologia dos sertões, os poderosos do poder e as gentes da capital. Faria ele com as imagens, melhor do que o fez Euclides com a palavra. Ele do cangaço e Lampião, este de Canudos e Conselheiro.
A aventura de Abrahão começa ali:
Teria mais sorte, porque do seu lado estava o santo do Nordeste. As façanhas assim como a história de Lampião deixariam à caatinga e ganhariam o mundo todo. O limite para seu sonho de fazer Lampião um imagem nacional não tinha fronteira. Por Lampião o seu bando e suas belas mulheres, Abrahão imaginou tornar-se grande, fazer fortuna. A saga lampiônica prometia. Era aos seus olhos um verdadeiro filão de ouro disperso e perdido na sequidão do Nordeste. Contrapondo a valentia e a miséria de um povo marcado historicamente pela passividade do silêncio, assim como pela recorrência da tragédia humana. Uma gente cuja sobrevivência naquele mundo de agruras e dificuldades já era a encarnação da própria imortalidade, da esperança, ousadia e do milagre. E Lampião com seu bando, apesar de todas as estórias, era apenas parte deles. Um joio perdido no meio do trigo que o fotógrafo libanês queria resgatar, perpetuar, vender ao além-fronteira. Mercantilizar e, quem sabe também ficar famoso. Depois, ano 2000 o filme 'Baile Perfumado', foi feito para ele, e sobre ele...
O litoral, como se via estava disposto a pagar por isso, o preço que lhe fosse cabido. Até Hollywood logo se interessaria por suas objetivas e suas fitas. Mas, não agora. Ele queria mais, milhões... Mais uma vez daria tempo ao tempo. A pressa era de fato inimiga da perfeição. De algum modo Abrahão acreditou nesta premissa como se fosse um axioma. Porém, neste caso estava errado.
Antes da morte de padre Cícero em 1934, ele conseguiria uma carta de apresentação que lhe abriria portas e certamente sedimentaria a confiança do rei do cangaço no seu projeto. De fato, isto aconteceu. Mesmo desconfiando, Lampião permitiu-se ser fotografar e filmado junto com seu bando. Mas sem antes o 'teste são tomé'. Benjamim teve que primeiro ir para a frente da geringonça. Não saiu bala. Lampião finalmente se deixou levar pela força das imagens, sobretudo em movimento. Tanto que tomou gosto pela coisa. Fez posse, ensaiou tática de guerrilha. Abriu a revista Cruzeiro, O globo. Vestiu sua roupa de gala, perfumou-se até.Fez-se intelectual, de herói, artista, galã... Um ídolo popular, diferente por quem o Nordeste faria continência ante a sua posição de capitão. Imaginara ele ante as coisas engendradas pelo retratista.
Os jornais da época estampavam imagens de Lampião, Maria Bonita, Corisco e demais cangaceiros dos sertões devido a intrepidez do fotógtrafo Bejamim. O Brasil e o mundo dali para frente conheceriam a sua história. E o rei do cangaço gostava de saber disso...
Benjamim Abraão, Lampião, o cangaço e os sertões: Início, meio e fim.
Lampião começa a virar uma figura de expressão nacional. O sertão começava a existir para as elites do litoral por força do cangaço lampiônico. Lampião começaria a gerar preocupação nas hostes políticas. Uma ameaça que a partir daquele instante não valeria apenas para os potentados da região, mas da corte litorânea em geral. Tudo isso por força das imagens que Abrahão produzira pela AbaFilm e projetara para além dos grotões da caatinga nordestina. Para isso teve que andar léguas tiranas até encontrar de novo Lampião e seu bando no oco do mundo no largo da Catarina na mata seca de Bom Nome a partir de 1929, 35 e 36.
Muito do seu trabalho foi perdido pela perseguição que sofrera da tropa de Getúlio ocasião em que apreenderam seu material. Somente nos anos 50 foi que seus filmes apreendidos, reapareceram, muito pouco pode ser recuperado. Mas, o suficiente para imortalizá-lo de vez na história do cangaço, como o homem que fez de Lampião uma figura afirmativa, requintada, heróica. Como um ator americano, europeu. Um símbolo admirável de valentia, justiceiro, um Rob Hood nordestino com pinta de galã ou de bandido a desafiar ainda mais o cetro dos palácios, assim como os salões nobres do poder e da burguesia emergente da época.
Foi Abrahão um dos primeiros a ocupar a posição de reporte fotográfico a dá o grito de que por Lampião o Nordeste esquecido pela primeira vez apareceu, nu e cru para o resto do país e para o mundo.
Esquecido, morreu tragicamente em 10 de maio de 1930 aos 40 anos; assassinado que foi por arma branca, mais de quarenta facadas na cidade de Serra Talhada no agreste Pernambucano. Uma morte que até hoje é um mistério. Vítima da ditadura, Homicídio banal ou crime passional?
Enfim, sem a presença de Benjamim Abrahão a história de Lampião e do próprio Cangaço não seria o que foi e o que é até os dias atuais.
No Juazeiro, ninguém conseguiu enxergar, a tão propalada brutalidade e ignorância do bando, como as notícias que ali chagavam, no mais das vezes, de boca em boca, reforçada pelas volantes policiais e a imprensa da capital. Não. Lampião estava com o padre, portanto, era um homem bom, um filho temente a Deus.
E Bejnamim assistia toda aquela cena extasiado, com a mente voltada para a possibilidade de um registro imagético. Algo que sobrevivesse para sempre. Algo que servisse como documento à posteridade. Aos homens do futuro. Quem sabe uma maneira de adiar qualquer forma de julgamento antecipado, preconcebido, apressado daquele fenômeno ao seu juízo, até ali, atemporal. A memória, assim como a imagem de Lampião e seus cangaceiros não podiam egoisticamente acabar ali. Perder-se no tempo e no espaço, como se a sociedade do porvir não tivesse sequer o direito de também poder de algum modo, acompanhar aquelas cenas sui generis para a uma época desregrada da história. Quando todos se centravam no presente, Abrahão tinha os olhos e pensamentos voltados pra o futuro. Quando muitos viam o cangaço pelo prisma míope do momento, simplesmente. Abrahão enxergava longe, via até a possibilidade de fazer fortuna com aqueles acontecimentos que mexiam com a própria sociologia dos sertões, os poderosos do poder e as gentes da capital. Faria ele com as imagens, melhor do que o fez Euclides com a palavra. Ele do cangaço e Lampião, este de Canudos e Conselheiro.
A aventura de Abrahão começa ali:
Teria mais sorte, porque do seu lado estava o santo do Nordeste. As façanhas assim como a história de Lampião deixariam à caatinga e ganhariam o mundo todo. O limite para seu sonho de fazer Lampião um imagem nacional não tinha fronteira. Por Lampião o seu bando e suas belas mulheres, Abrahão imaginou tornar-se grande, fazer fortuna. A saga lampiônica prometia. Era aos seus olhos um verdadeiro filão de ouro disperso e perdido na sequidão do Nordeste. Contrapondo a valentia e a miséria de um povo marcado historicamente pela passividade do silêncio, assim como pela recorrência da tragédia humana. Uma gente cuja sobrevivência naquele mundo de agruras e dificuldades já era a encarnação da própria imortalidade, da esperança, ousadia e do milagre. E Lampião com seu bando, apesar de todas as estórias, era apenas parte deles. Um joio perdido no meio do trigo que o fotógrafo libanês queria resgatar, perpetuar, vender ao além-fronteira. Mercantilizar e, quem sabe também ficar famoso. Depois, ano 2000 o filme 'Baile Perfumado', foi feito para ele, e sobre ele...
O litoral, como se via estava disposto a pagar por isso, o preço que lhe fosse cabido. Até Hollywood logo se interessaria por suas objetivas e suas fitas. Mas, não agora. Ele queria mais, milhões... Mais uma vez daria tempo ao tempo. A pressa era de fato inimiga da perfeição. De algum modo Abrahão acreditou nesta premissa como se fosse um axioma. Porém, neste caso estava errado.
Antes da morte de padre Cícero em 1934, ele conseguiria uma carta de apresentação que lhe abriria portas e certamente sedimentaria a confiança do rei do cangaço no seu projeto. De fato, isto aconteceu. Mesmo desconfiando, Lampião permitiu-se ser fotografar e filmado junto com seu bando. Mas sem antes o 'teste são tomé'. Benjamim teve que primeiro ir para a frente da geringonça. Não saiu bala. Lampião finalmente se deixou levar pela força das imagens, sobretudo em movimento. Tanto que tomou gosto pela coisa. Fez posse, ensaiou tática de guerrilha. Abriu a revista Cruzeiro, O globo. Vestiu sua roupa de gala, perfumou-se até.Fez-se intelectual, de herói, artista, galã... Um ídolo popular, diferente por quem o Nordeste faria continência ante a sua posição de capitão. Imaginara ele ante as coisas engendradas pelo retratista.
Os jornais da época estampavam imagens de Lampião, Maria Bonita, Corisco e demais cangaceiros dos sertões devido a intrepidez do fotógtrafo Bejamim. O Brasil e o mundo dali para frente conheceriam a sua história. E o rei do cangaço gostava de saber disso...
Benjamim Abraão, Lampião, o cangaço e os sertões: Início, meio e fim.
Lampião começa a virar uma figura de expressão nacional. O sertão começava a existir para as elites do litoral por força do cangaço lampiônico. Lampião começaria a gerar preocupação nas hostes políticas. Uma ameaça que a partir daquele instante não valeria apenas para os potentados da região, mas da corte litorânea em geral. Tudo isso por força das imagens que Abrahão produzira pela AbaFilm e projetara para além dos grotões da caatinga nordestina. Para isso teve que andar léguas tiranas até encontrar de novo Lampião e seu bando no oco do mundo no largo da Catarina na mata seca de Bom Nome a partir de 1929, 35 e 36.
Muito do seu trabalho foi perdido pela perseguição que sofrera da tropa de Getúlio ocasião em que apreenderam seu material. Somente nos anos 50 foi que seus filmes apreendidos, reapareceram, muito pouco pode ser recuperado. Mas, o suficiente para imortalizá-lo de vez na história do cangaço, como o homem que fez de Lampião uma figura afirmativa, requintada, heróica. Como um ator americano, europeu. Um símbolo admirável de valentia, justiceiro, um Rob Hood nordestino com pinta de galã ou de bandido a desafiar ainda mais o cetro dos palácios, assim como os salões nobres do poder e da burguesia emergente da época.
Foi Abrahão um dos primeiros a ocupar a posição de reporte fotográfico a dá o grito de que por Lampião o Nordeste esquecido pela primeira vez apareceu, nu e cru para o resto do país e para o mundo.
Esquecido, morreu tragicamente em 10 de maio de 1930 aos 40 anos; assassinado que foi por arma branca, mais de quarenta facadas na cidade de Serra Talhada no agreste Pernambucano. Uma morte que até hoje é um mistério. Vítima da ditadura, Homicídio banal ou crime passional?
Enfim, sem a presença de Benjamim Abrahão a história de Lampião e do próprio Cangaço não seria o que foi e o que é até os dias atuais.
Fotos: 1- Benjamin Abraão. 2. Benjamin Abraão, Maria Bonita e Lampião.
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